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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Inquisição - Realmente o monstro que pintam? Segunda parte.




Vemos na primeira parte do estudo o quanto o Estado estava ligado a inquisição e principalmente a aplicação das penas.
Como podemos ilustrar, comparando com os dias atuais sem querer resumir só nisso, a inquisição agiria da seguinte forma:
Uma pessoa acusada de estupro, seria interrogado pelos inquisidores. Se a culpa fosse declarada e o réu nao se arrependesse, o mesmo receberia a pena da igreja e depois seria entregue ao poder civíl que também aplicaria a sua pena. Em resumo, Tinha sua excomunhão decretada (pena da igreja) e posteriormente era preso, torturado ou executado(pena do estado).
O Estado, este sim, era responsável pelas penas, seja ela de morte, prisão e etc. Pelo contexto histórico verificamos que os crimes religiosos eram também tratados pelo estado, pois a divisão entre Estado e igreja eram quase inexistentes. Por isso um crime contra a religião era também um crime civíl.
Sabemos também que existiram abusos por parte de clérigos, que eram influenciados pelo estado ou chamados ao clero diretamente por força do mesmo.
Algo também muito interessante era que muitos criminosos comuns preferiam serem julgados pela inquisição do que diretamente pelo estado, pois o estado aplicava sua pena sumarimente, sem direito a investigação ou defesa e convenientemente se usando da morte, tortura, sequestro dos béns e etc. de forma harbitraria. Para serem julgados pela inquisição tratavam de assuciar motivos religiosos aos seus atos de desordem civíl.

Hoje em nossos estudos veremos como o Estado influenciou de forma danosa a Igreja e como se deu a inquição espanhola (a mais sangrenta), portuguesa e brasileira.

Para entender com um pouco mais de profundidade a inquisição e sua época, é importantíssimo que se leia este artigo:
http://www.veritatis.com.br/article/3340

O ESTADO MANIPULOU A IGREJA DURANTE O TEMPO DA INQUISIÇÃO?


Em resposta a uim internalta o Apostolado Veritatis Spledor reponde assim:

Nunca nossos antepassados foram mais sábios nem mais bem inspirados do que quando decidiram que as mesmas pessoas presidiriam a religião e governariam a república”. Essa frase pertence a Cícero, pensador que viveu antes de Cristo e que demonstra como a idéia da união da religião com o Estado parecia conveniente e extremamente pertinente a um contexto anterior ao nosso.

O fato é que desde o início do cristianismo, com Constantino publicando o edito de Milão e com as sociedades aderindo pouco a pouco ao cristianismo, o próprio Estado começa um caminho natural de atração a fé católica até uma união verdadeira. Durante os muitos séculos da cristandade, Igreja e Estado eram como que uma coisa só, o que não deixou de tecer enormes benefícios mas também grandes danos para ambas as partes.

A sua dúvida faz referência provável ao caso notável da Inquisição Espanhola, aonde o nome da Igreja fora emprestado, por assim dizer, pelo governo que autorizou, através de religiosos por ela mesma ordenada, barbaridades das quais até hoje a Igreja Católica é acusada e dita como condenada. Muitos foram para a fogueira, assim como padres, Bispos, religiosos que denunciavam a prática condenável do poder central. Como ensina DUFFY em sua obra sobre a história de todos os Papas: “Com toda sua mesurice para com o catolicismo, o Estado, controlando o episcopado fazia senão manipular a religião em benefício próprio, negando-lhe a liberdade de expressão e de ação fundamental para o Evangelho” (Santos e Pecadores, a história dos Papas. 1998, p. 219)

No Brasil esta manipulação também se fazia uma realidade que causava grande revolta entre os religiosos. Em um caso historicamente conhecido, o Império ordena alguns novos Bispos, notóriamente maçons. Bispos, como o de Belém, dom Macedo Costa e o de Olinda, dom Vital de Oliveira, denunciam a prática abusiva e expulsam os maçons ordenados pelo Estado das irmandades, o que não é aceito pelo governo imperial, que muito ligado à maçonaria condena os dois Bispos para a prisão em 1875.

Visto que o catolicismo é de sobremaneira uma instituição atemporal, e o Estado basicamente uma organização temporal, conflito é algo inevitável, mas nesse determinado momento da história o problema começa a se tornar insustentável e insuportável para a Igreja Católica, já que a autoridade Papal era simplesmente desprezada muitas vezes. DUFFY explica sobre este período de forma clara: “Os católicos de mentalidade reformista nada viam de errado nas restrições que o príncipe ou o Estado porventura impusessem à interferência dos Papas” (DUFFY, 1998, p. 216).

Então num fenômeno mundial, chamado de ultramontanismo, proclamando o poder e a autoridade do Papa para além das montanhas, se inicia um processo de centralização da autoridade da Igreja na figura do Papa passando assim, a estar num nível acima de qualquer autoridade política. SCHATZ, traduziria de forma enérgica o espírito da época em sua obra Papa Primacy from its Origins to the Present, citando o conde Joseph de Maistre, embaixador da Sardenha em São Petersburgo no ano de 1819: “Não pode haver moralidade pública nem caráter nacional sem religião; não pode haver cristianismo sem catolicismo; não pode haver catolicismo sem Papa e não pode haver Papa sem a soberania que lhe merece” (SCHATZ, 1996, p. 148-9). A partir de então o que veremos é um movimento mundial de separação entre Igreja e Estado; agora é tarefa do leigo a de cuidar dos processos políticos de cada país.

Este é um assunto muito interessante e por se tratar de história, muito extenso e complexo também. O que apresentamos aqui é uma forma bem resumida do que encontrará em bons livros e também no nosso campo de pesquisa.

Esperamos ter ajudado, em Cristo Jesus:

Silvio L. Medeiros

Obras consultadas:

DUFFY, Eamon. Santos e Pecadores – História dos Papas. Cosac & Naify Edições, São Paulo. 1998, 326p.
SCHATZ, Papa Primacy from its Origins to the Present, Collegeville, Minnessota, 1996.


A Inquisição Espenhola


D. Estevão Bettencourt, osb

Já estudamos a lnquisição Medieval nos capítulos 33 e 34.Passamos à Inquisição Espanhola, que teve suas características próprias.

Origem da lnquisição Espanhola

Os reis Fernando e Isabel, visando a plena unificação de seus domínios, tinham consciência de que existia uma instituição eclesiástica, a lnquisição ´ oriunda na ldade Média com o fim de reprimir um perigo religioso e civil dos séculos XI/XII (a heresia cátara ou albigense); a este perigo pareciam assemelhar´se as atividades dos marranos (judeus) e mouriscos (árabes) na Espanha do século XV.

1) A lnquisição Medieval, que nunca fora muito ativa na península ibérica, achava´se a mais ou menos adormecida na segunda metade do séc. XV Aconteceu, porém, que durante a Semana Santa de 1478 foi descoberta em Sevilha uma conspiração de marranos, a qual muito exasperou o público. Então lembrou´se o rei Fernando de pedir ao Papa, reavivasse na Espanha a antiga Inquisição, e a reavivasse sobre novas bases, mais promissoras para o reino, confiando sua orientação ao monarca espanhol. Sixto IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual, depois de hesitar algum tempo, se associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha o Breve de 19 de novembro de 1478, pelo qual “conferia plenos poderes a Fernando e Isabel para nomearem dois ou três lnquisidores, arcebispos, bispos ou outros dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua prudência e suas virtudes, sacerdotes seculares ou regulares, de quarenta anos de idade ao menos, e de costumes irrepreensíveis, mestres ou bacharéis em Teologia, doutores ou licenciados em Direito Canônico, os quais deveriam passar de maneira satisfatória por um exame especial. Tais lnquisidores ficariam encarregados de proceder contra os judeus batizados reincidentes no judaísmo e contra todos os demais culpados de apostasia. o Papa delegava a esses oficiais eclesiásticos a jurisdição necessária para instaurar os processos dos acusados conforme o Direito e o costume; além disto, autorizava os soberanos espanhóis a destituir tais Inquisidores e nomear outros em seu lugar, caso isto fosse oportuno” (L.Pastor, Histoire des Papes IV 370). Note´se bem que, conforme este edito, a lnquisição só estenderia sua ação a cristãos batizados, não a judeus que jamais houvessem pertencido a lgreja; a instituição era, pois, concebida como órgão promotor de disciplina entre os filhos da Igreja, não como instrumento de intolerância em relação às crenças não´cristãs.

Procedimentos da Inquisição

Apoiados na Iicença pontifícia, os reis da Espanha aos 17 de setembro de 1480 nomearam lnquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Morillo e Juan Martins, dando´lhes como assessores dois sacerdotes seculares. os monarcas.promulgaram também um compêndio de “Instruções”, enviado a todos os tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisição, a qual assim se tornava uma espécie de órgão do Estado civil. Os Inquisidores entraram logo em ação, procedendo geralmente com grande energia. Parecia que a lnquisição estava a serviço não da Religião propriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam atingir criminosos mesmo de categoria meramente política. Em breve, porém, fizeram´se ouvir em Roma queixas diversas contra a severidade dos Inquisidores. Sixto IV então escreveu sucessivas cartas aos monarcas da Espanha, mostrando´lhes profundo descontentamento por quanto acontecia em seu reino e baixando instruções de moderação para os juízes tanto civis como eclesiásticos. Merece especial destaque neste particular o Breve de 2 de agosto de 1482, que é o Papa, depois de promulgar certas regras coibitivas do poder dos Inquisidores, concluia com as seguintes palavras: “Visto que somente a caridade nos toma semelhantes a Deus. rogamos e exortamos o Rei e a Rainha, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que imitem Aquele de quem é caracteristico ter sempre compaixão e perdão. Queiram, portanto, mostrar´se indulgentes para com os seus súditos da cidade e da diocese de Sevilha que confessam o erro e imploram a misericórdia!” Contudo, apesar das freqüêntes admoestações pontifícias, a Inquisição Espanhola ia´se tornando mais e mais um órgão poderoso de influência e atividade do monarca nacional. Para comprovar isto, basta lembrar o seguinte: a Inquisição no território espanhol ficou sendo instituto permanente durante três séculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisição Medieval, a qual foi sempre intermitente, tendo em vista determinados erros oriundos em tal e tal localidade. A manutenção permanente de um tribunal inquisitório impunha avultadas despesas, que somente o Estado podia tomar a seu cargo; foi o que se deu na Espanha: os reis atribuiam a si todas as rendas materiais da lnquisição (impostos, multas, bens confiscados) e pagavam as respectivas despesas; conseqüentemente alguns historiadores, referindo´se à Inquisição Espanhola, denominaram´na “Inquisição Régia!”

Emancipada de Roma

A fim de completar o quadro até aqui traçado, passemos a mais um pormenor característico do mesmo. Os reis Fernando e Isabel visavam a corroborar a Inquisição, emancipando´a do controle mesmo de Roma... Conceberam então a idéia de dar à instituição um chefe único e ´plenipotenciário ´ o lnquisidor´Mor ´, o qual julgaria na Espanha mesma os apelos dirigidos a Roma. Para este cargo, propuseram à Santa Sé um religioso dominicano, Tomás de Torquemada (“a Turrecremata”, em latim), o qual em outubro de 1483 foi realmente nomeado Inquisidor´Mor para todos os territórios de Fernando e Isabel. Procedendo à nomeação escrevia o Papa Sixto IV a Torquemada: “Os nossos carissimos filhos em Cristo, o rei e a rainha de Castela e Leão, nos suplicaram para que te designássemos como Inquisidor do mal da heresia nos seus reinos de Aragão e Valença, assim como no principado de Catalunha” (Bullar.ord. Praedicatorum /// 622). O gesto de Sixto IV só se pode explicar por boa fé e confiança. O ato era, na verdade, pouco prudente... Com efeito; a concessão benignamente feita aos monarcas seria pretexto para novos e novos avanços destes: os sucessores de Torquemada no cargo de Inquisidor´Mor já não foram nomeados pelo Papa, mas pelos soberanos espanhóis (de acordo com critérios nem sempre louváveis). Para Torquemada e sucessores, foi obtido da Santa Sé o direito de nomearem os lnquisidores regionais, subordinados ao lnquisidor´Mor. Mais ainda: Fernando e Isabel criaram o chamado “Conselho Régio da Inquisição”, comissão de consultores nomeados pelo poder civil e destinados como que a controlar os processos da Inquisição; gozavam de voto deliberativo em questões de Direito civil, e de voto consultivo em temas de Direito Canônico. Uma das expressões mais típicas da autonomia arrogante do Santo ofício espanhol é o famoso processo que os Inquisidores moveram contra o arcebispo primaz da Espanha, Bartolomeu Carranza, de Toledo. Sem descer aos pormenores do acontecimento, notaremos aqui apenas que durante dezoito anos contínuos a Inquisição Espanhola perseguiu o venerável prelado, opondo´se a legados papais, ao Concílio Ecumênico de Trento e ao próprio Papa, em meados do séc. XVI. Frisando ainda um particular, lembraremos que o rei Carlos III (1759´1788) constituiu outra figura significativa do absolutismo régio no setor que vimos estudando. Colocou´se peremptoriamente entre a Santa Sé e a Inquisição, proibindo a esta que executasse alguma ordem de Roma sem licença prévia do Conselho de Castela, ainda que se tratasse apenas de proscrição de livros. O lnquisidor´Mor, tendo acolhido um processo sem permissão do rei, foi logo banido para localidade situada a doze horas de Madrid; só conseguiu voltar após apresentar desculpas ao rei, que as aceitou, declarando:

“O Inquisidor Geral pediu´me perdão, e eu Iho concedo,´ aceito agora os agradecimentos do tribunal,´ protegê´lo´ei sempre, mas não se esqueça desta ameaça de minha cólera voltada contra qualquer tentativa de desobediência” (cf. Desdevises du Dezart, L’Espagne de I’Ancien Regime. La Société 101s). A história atesta outrossim como a Santa Sé repetidamente decretou medidas que visavam a defender os acusados frente à dureza do poder régio e do povo. A Igreja em tais casos distanciava´se nitidamente da lnquisição Régia, embora esta continuasse a ser tida como tribunal eclesiástico. Assim aos 2 de dezembro de 1530, Clemente VII conferiu aos lnquisidores a faculdade de absolver sacramentalmente os delitos de heresia e apostasia; destarte o Sacerdote poderia tentar subtrair do processo público e da infâmia da Inquisição qualquer acusado que estivesse animado de sinceras disposições para o bem. Aos 15 de junho de 1531, o mesmo Papa Clemente VII mandava aos Inquisidores tomassem a defesa dos mouriscos que, ´ocabrunhados de impostos pelos respectivos senhores e patrões, poderiam conceber ódio contra o Cristianismo. Aos 2 de agosto de 1546, Paulo III declarava os mouriscos de Granada aptos para todos os cargos civis e todas as dignidades eclesiasticas. Aos 18 de janeiro de 1556, Paulo IV autorizava os sacerdotes a absolver em confissão sacramental os mouriscos. Compreende´se que a Inquisição Espanhola, mais e mais desvirtuada pelos interesses às vezes mesquinhos dos soberanos temporais, não podia deixar de cair em declínão. Foi o que se deu realmente nos séculos XVIII e XIX. Em conseqüência de uma revolução, o Imperador Napoleão I interveio no governo da nação, aboliu a Inquisição Espanhola por decreto de 4 de dezembro de 1808. o rei Fernando VII, porém, restaurou´a em 1814, a fim de punir alguns de seus súditos que haviam colaborado com o regime de Napoleão. Finalmente, quando o povo se emancipou do absolutismo de Fernando VIl, restabelecendo o regime liberal no país, um dos primeiros atos das Cortes de Cadiz foi a extinção definitiva da Inquisição em 1820. A medida era, sem dúvida, mais do que oportuna, pois punha termo a uma situação humilhante para a Sta. Igreja.

Tomás de Torquemada

Tomás de Torquemada nasceu em Valladolid (ou, segundo outros, em Torquemada) no ano de 1420 Fez´se Religioso dominicano, exercendo por 22 anos o cargo de Prior do convento de Santa´Cruz em Segóvia. Já aos 11 de fevereiro de 1482 foi designado por Sixto IV para moderar o zelo dos lnquisidores espanhóis. No ano seguinte o mesmo Pontífice o nomeou Primeiro Inquisidor de todos os territórios de Fernando e Isabel. Extremamente austero para consigo mesmo, o frade dominicano usou de semeIhante severidade nos seus procedimentos judiciários. Dividiu a Espanha em quatro setores inquisitoriais, que tinham como sedes respectivas as cidades de Sevilha, Córdova, Jaen e Villa (Ciudad) Real. Em 1484 redigiu, para uso dos lnquisidores, uma “Instrução”, opúsculo que propunha normas para os processos inquisitoriais, inspirando´se em tramites já usuais na Idade Média; esse libelo foi completado por dois outros do mesmo autor, que vieram a lume respectivamente em 1490 e 1498. O rigor de Torquemada foi levado ao conhecimento da Sé de Roma; o Papa Alexandre VI, como dizem algumas fontes históricas, pensou então em destitui´lo de suas funções; só não o terá feito por deferência a corte da Espanha. O fato é que o Pontífice houve por bem diminuir os poderes de Torquemada, colocando a seu lado quatro assessores munidos de iguais faculdades (Breve de 23 de junho de 1494). Quanto ao número de vítimas ocasionadas pelas sentenças de Torquemada, as cifras referidas pelos cronistas são tão pouco coerentes entre si que nada se pode afirmar de preciso sobre o assunto. Tomás de Torquemada ficou sendo, para muitos, a personificação da intolerância religiosa, homem de mãos sangüinolentas...Os historiadores modernos, porém, reconhecem exagero nessa maneira de conceituá´lo; levando em conta o caráter pessoal de Torquemada, julgam que este Religioso foi movido por sincero amor é verdadeira fé, cuja integridade lhe parecia comprometida pelos falsos cristãos; daí o zelo extraordinário com que procedeu. A reta intenção de Torquemada ter´se´á traduzido de maneira pouco feliz. De resto, o seguinte episódio contribui para desvendar outro traço, menos conhecido, do frade dominicano: em dada ocasião, foi levada ao Conselho Régio da Inquisição a proposta de se impor aos muçulmanos ou a conversão ao Cristianismo ou o exilio. Torquemada opôs´se a essa medida, pois queria conservar o clássico princípio de que a conversão ao Cristianismo não pode ser extorquida pela violência; por conseguinte, a Inquisição deveria restringir sua ação aos cristãos apóstatas; estes, e somente estes, em virtude do seu Batismo, tinham um compromisso com a Igreja Católica. Como se vê Torquemada, no fervor mesmo do seu zelo, não perdeu o bom senso neste ponto. Exerceu suas funções até a morte, aos 16/09/1498.

PODER RÉGIO E INQUISIÇÃO EM PORTUGAL


Por Dom Estêvão Bettencourt, OSB

Em síntese: O Instituto Histórico e Geográfico do Brasil publicou os Regimentos da Inquisição em Portugal (vigentes também no Brasil) datados de 1552, 1613, 1640 e 1774 (este assinado pelo Marquês do Pombal). São acompanhados de uma Introdução redigida pela Profá Sônia Aparecida de Siqueira, que põe em evidência o fato de que a Inquisição nunca foi uma instituição meramente eclesiástica, mas, em virtude da lei do padroado, foi mais e mais dirigida pela Coroa de Portugal em vista de seus interesses políticos. A Santa Sé teve de se opor mais de uma vez aos processos da Inquisição, a fim de tutelar os cristãos-novos e outros cidadãos julgados pelo Tribunal.

A Inquisição está sempre em foco. É motivo de acusações à Igreja, muitas vezes mal fundamentadas ou repetidas como chavões, sem que o público tenha acesso aos documentos básicos que nortearam a Inquisição. Poucas pessoas têm contato direto com os arquivos e as fontes escritas do movimento inquisitorial.

Eis que o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) publicou no número 392 (ano 157) da sua revista, correspondente a julho/setembro 1996 (pp. 495-1020) os Regimentos do Santo Ofício da Inquisição do Reino de Portugal datados de 1552, 1613, 1640, 1774 (este assinado pelo Marquês de Pombal), além de um Regimento sem data. Tal edição esteve aos cuidados da ProP Sônia Aparecida de Siqueira, sócia-correspondente do IHGB em São Paulo, que escreveu longa Introdução a tais documentos. Como nota o Prof. Arno Wehling, presidente do IHGB em 1996, a Dra- Sônia Aparecida "localizou a Inquisição e seus sucessivos regimentos nos diferentes momentos históricos, sublinhando, inclusive, a progressiva expansão do poder real sobre a instituição, culminando no regime sectarista" (p. 495).

Como se sabe, a Inquisição nunca (nem na Idade Média) foi um Tribunal meramente eclesiástico. Isto era inconcebível outrora, dado que o Estado era oficialmente cristão e, por isto, se julgava responsável pelos interesses da fé cristã; a tal título intervinha ele em questões de foro religioso, por vezes ditando normas àIgreja. Tal realidade se acentuou na pensínsula ibérica (Espanha e Portugal) a partir do século XVI, em virtude dos privilégios do padroado. Com efeito, já que os reis de Espanha e Portugal eram descobridores de novas terras, às quais levavam a fé católica, a Santa Sé lhes concedeu poderes especiais para organizarem a vida da Igreja nas regiões recém-descobertas; daí a grande ingerência nos assuntos religiosos, a título de colaboração com a Igreja, ... colaboração que redundou, aos poucos, em sufocação da autoridade eclesiástica em favor dos interesses da Coroa.

Nas linhas subseqüentes, apresentaremos as origens da Inquisição em Portugal e alguns traços da explanação da Profá Sônia Aparecida, que põem em relevo a intervenção sempre mais prepotente dos monarcas em assuntos inquisitoriais.

1. Origens da Inquisição Portuguesa

O rei D. João III de Portugal (1521-57) desejava que o Papa estabelecesse a Inquisição em seu reino, tendo em vista especialmente a eliminação dos judeus não plenamente convertidos ao Cristianismo. Durante 27 anos, S. Majestade e a Santa Sé se defrontaram, visto que o rei pedia poderes, em matéria religiosa, que o Papa não lhe queria conceder: assim, conforme o monarca, o Inquisidor-mor seria escolhido pelo rei, assim como os outros Inquisidores (subordinados), podendo estes últimos ser não apenas clérigos, mas também juristas leigos, que passariam a ter a mesma jurisdição que os eclesiásticos. Mais: conforme o desejo do rei, os Inquisidores estariam acima dos Bispos e dos Superiores das Ordens Religiosas, de modo que poderiam processar e condenar eclesiásticos sem consultar os respectivos prelados; os Bispos ficariam impedidos de intervir em qualquer causa que os Inquisidores chamassem a si. Ainda: os Inquisidores poderiam impor excomunhões reservadas à Santa Sé e levantar as que eram impostas pelos Bispos. Como se vê, o rei queria desta maneira obter o controle total sobre os Bispos e a Igreja em Portugal.

Finalmente aos 17/12/1531 o Papa Clemente VII concedeu a Inquisição em Portugal, mas em termos que contrariavam às solicitações de D. João III: em vez de outorgar ao rei poderes para nomear os Inquisidores, o Papa nomeou diretamente um Comissário da Sé Apostólica e Inquisidor no reino de Portugal e nos seus domínios. Esse Comissário poderia nomear outros Inquisidores, mas a sua autoridade não estava acima da dos Bispos, que poderiam também, por seu lado, investigar as heresias.

Os termos desta Bula ou concessão nunca foram aplicados em Portugal. O Inquisidor nomeado, Frei Diogo da Silva, era o confessor do rei; não aceitou o cargo, talvez por pressão do monarca. Apesar disto, em meio a grande agitação popular, começaram a funcionar tribunais inquisitoriais em algumas dioceses anarquicamente. Em conseqüência, o Papa suspendeu a Inquisição e, alegando que o rei o enganara (escondendo-lhe a conversão forçada de judeus no reinado de D. Manoel, 14951521), ordenou a anistia aos judeus e a restituição dos bens confiscados (Bula de 07/04/1535).

As razões sobre as quais se baseavam tais decisões de Clemente VII, são assaz significativas: a conversão -dos judeus infiéis deve ser propiciada mediante a persuasão e a doçura, das quais Cristo deu o exemplo, respeitando sempre o livre arbítrio humano; a conversão violenta ou extorquida dos judeus sob o reinado de D. Manoel era tida como façanha que não se deveria reproduzir. A Santa Sé assim procurava defender e proteger os cristãos-novos, vítimas do poder régio.

O Papa Clemente VII, que resistira a D. João III, morreu em 1534, tendo por sucessor Paulo III. O rei voltou a insistir junto ao Pontífice para conseguir o tipo de tribunal de Inquisição que atendia aos interesses da Coroa. Não o obteve propriamente, mas por Bula de 23/05/1536 Paulo III restabeleceu a Inquisição em Portugal, nomeando três Inquisidores e autorizando o rei a nomear outro; além disto, o Pontífice mandava que, durante três anos, os nomes das testemunhas de acusação não fossem acobertados por segredo e durante dez anos os bens dos condenados não fossem confiscados; os Bispos teriam as mesmas faculdades que os Inquisidores na pesquisa das heresias. Por intermédio de seu Núncio em Lisboa, o Papa reservava a si o direito de fiscalizar o cumprimento da Bula, de examinar os processos quando bem o entendesse e de decidir em última instância.

É a partir desta Bula (23/05/1536) que se pode considerar estabelecida a Inquisição em Portugal. O rei, que não se dava por satisfeito com as disposições da Santa Sé, começou a burlá-las. Quis, antes do mais, subtrair a Inquisição à vigilância do Pontífice e, para tanto, suscitou incidentes numerosos a ponto de obrigar a partir o Núncio Capodiferro, que tinha poderes para suspender o tribunal, caso não fossem respeitadas as cláusulas de proteção aos cristãos-novos. Além disto, nomeou Inquisidor o Infante D. Henrique, seu irmão, então arcebispo de Braga, que, com seus 27 anos, não tinha idade legal para exercer tais funções. Enfim aproveitava ou provocava ocasiões ou pretextos para fazer que o público cresse na má fé dos judeus convertidos (cristãosnovos): assim apareceu um cartaz nas portas da catedral e de outras igrejas de Lisboa, anunciando a chegada próxima do Messias ...; um alfaiate de Setúbal apresentou-se ao público como Messias - o que não foi levado a sério pela população, mas bastou para que os agentes do rei fizessem grandes represálias e tentassem convencer Roma dos perigos do judaísmo em Portugal.

Apesar da má vontade do rei, o Papa fazia questão de manter sob seu controle o Santo Ofício em Portugal. Reforçando normas anteriores, o Pontífice emitiu nova Bula em 12/10/1539, que proibia aduzir testemunhas secretas e concedia outras garantias aos acusados, entre as quais o direito de apelação para o Papa; determinava outrossim que os emolumentos dos Inquisidores não fossem pagos mediante os bens dos prisioneiros.

Também esta Bula não foi observada em Portugal. O Papa então resolveu suspender a Inquisição pelo Breve de 22/09/1544; tomou a precaução de fazer publicar de surpresa em Lisboa este documento, levado secretamente para lá por um novo Núncio. O rei, profundamente golpeado, jogou a sua última cartada; requereu ao Papa que revogasse a suspensão e restaurasse a Inquisição sem qualquer limitação, e acrescentava a ameaça: "Se Vossa Santidade não prover nisso, como é obrigado e dele se espera, não poderei deixar de remediá-lo confiando em que não somente do que suceder Vossa Santidade me haverá por sem culpa, mas também os príncipes e os fiéis cristãos que o souberem, conhecerão que disso não sou causa nem ocasião".

Tais palavras continham a ameaça de desobediência formal ao Papa e de cisão na Igreja. D. João III seguiu o conselho que lhe fora dado pelos seus dois enviados à Santa Sé em 1535: negasse obediência ao Papa, imitando o exemplo do rei Henrique VIII da Inglaterra. Entre a obediência ao Papa, como fiel católico, e a rebeldia declarada que lhe permitisse instituir um tribunal, que era no fundo um instrumento da política régia, o rei de Portugal estava disposto a seguir a segunda via.

O Pontífice via-se naquele momento (1544/45) premido por outras graves preocupações, como a convocação e a preparação do Concílio de Trento, sobre o qual o Imperador Carlos V e outros monarcas tinham seus interesses. Em conseqüência, acabou por aceitar os pontos principais da solicitação de D. João III: por Bula de 16/07/1547, nomeou lnquisidor-Geral o Cardeal Infante D. Henrique e retirou aos Núncios em Lisboa a autoridade para intervirem nos assuntos de alçada da Inquisição; esta seguiria seus trâmites próprios, diversos dos habituais nos processos comuns. Ao mesmo tempo, porém, o Papa mitigava suas disposições: promulgou um Breve que suspendia o confisco de bens por dez anos; outro Breve suspendia por um ano a entrega de condenados ao braço secular (ou a aplicação da pena de morte). Em outro Breve ainda o Papa fazia recomendações tendentes a moderar os previsíveis excessos da Inquisição e a permitir a partida dos cristãos-novos para o estrangeiro. Pouco antes de morrer ou aos 08/01/1549, Paulo III editou novo Breve, que abolia o segredo das testemunhas - Breve este que provavelmente nunca foi aplicado em Portugal.

2. Inquisidor sempre mais regalista

Eis algumas passagens muito significativas da Introdução redigida pela Prof. Sônia Aparecida:

2.1. Cristãos novos

"Urgia acalmar a inquietação causada pela presença dos cristãos-novos, inimigos em potencial pelo seu supranacionalismo. O combate às minorias dissidentes era um programa inadiável. Os neocristãos podiam ser portadores do fermento herético por suas crenças residuais e por seus íntimos contatos com luteranos e judeus. E mais. Com a frutificação das descobertas, da exploração do mundo colonial que se montava, com o comércio ultramarino, com a urbanização progressiva, os cristãos-novos ganhavam força econômica e tendiam a uma solidariedade que lhes acrescia o poder de ação no meio social. O trono sentiu a ameaça que representariam se não fossem bons cristãos. Reagiu. A Inquisição foi criada e estendeu-se sobre cristãos-novos, cristãos-velhos, povo, hierarquias" (pp. 502s).

"Certas determinações de Roma avocando a si, diretamente, ou por meio de seus Núncios, jurisdição sobre os cristãos-novos revelam que existia ainda uma certa indefinição da hierarquia judicial, bem como o propósito pontifício de reservar para a Cúria a jurisdição superior. Em 1533, a Bula de Clemente VII Sempiterno Regi revogou todos os poderes que haviam sido outorgados a Frei Diogo da Silva, Inquisidor-mor de Portugal, chamando a si todas as causas dos cristãos-novos, mouros e heréticos. Em 1534, um Breve de Paulo III dirigido a D. João III mandava que os Inquisidores suspendessem os processos contra pessoas suspeitas de heresia. Em 1535, uma Carta Pontifícia determinava que os Núncios de Portugal pudessem conhecer as apelações dos cristãos-novos.

No mesmo ano, escrevia Paulo III ao rei sobre os cristãos-novos, e aos cristãos-novos; interferindo diretamente na definição do processo, concedia que pudessem tomar por procuradores e defensores quaisquer pessoas que quisessem.

As Bulas de perdão geral que paralisavam a ação do Tribunal vinham de Roma, diluindo, de tempos em tempos, a autoridade dos Inquisidores. Confirmando o primeiro perdão concedido por Clemente VII, concedia Paulo III um segundo em 1535 e, em 1547, pela Bula Illius qui misericors, concedia um terceiro. Ao depois, outros indultos gerais foram sendo concedidos, e, quando o próprio rei os negociava com os cristãos-novos, tinha de pleiteá-los junto à Cúria Romana, como aconteceu com Felipe III em 1605.

Aliás, as intromissões da Cúria nas atividades da Inquisição continuaram, decrescentes sem dúvida, mas constantes pelo tempo afora, dada a natureza de sua justiça. De 1678 a 1681, o Santo Ofício chegou a ser suspenso em Portugal por decisão do Pontífice, o que indica que, apesar da amplificação do absolutismo, os tribunais continuavam a carecer da aquiescência de Roma para atuar" (pp. 506s).

2.2. A figura do Inquisidor

"Capaz, idôneo, de boa consciência, devia ser o Inquisidor: requisitos que garantiriam a aplicação da justiça com equanimidade. Pedia-se também constância..." (p. 526). "O juízo coletivo sobre a Inquisição dependeria do comportamento de seus oficiais, de sua capacidade de corrigir as próprias imperfeições, de imolar impulsos e interesses em prol do bom nome do Tribunal. A verdade é que, na prática, ou por causa da vigilância social, ou do controle institucional, ou, talvez, da fusão dos ideais individuais com os do Santo Ofício, não temos notícia de escândalos ou abusos dos agentes inquisitoriais. Geralmente, as exceções apenas confirmariam a regra. Alguns Inquisidores, por suas virtudes ou pelo sacrifício, chegaram a ser elevados aos altares".

Em nota (74) diz a autora: "Não pertenceram ao Santo Ofício português, mas foram santificados os Inquisidores S. Raimundo Penafort, S. Toríbio Mongrovejo, S. Pedro de Verona, mártir, S. Pio V, S. Domingos de Gusmão, S. Pedro de Arbuês, S. João Capistrano. Beatificados foram Pedro Castronovo, legado cisterciense, Raimundo, arcediago de Toledo, Bernardo, seu capelão. Inquisidores também, dois clérigos, Fortanerio e Ademaro, núncios do Santo Ofício de Tolosa, martirizados pelos albigenses, Conrado de Marburg, mártir, pároco e Inquisidor da Alemanha, e o confessor de Sta.lsabel da Hungria, João de Salermo. O Inquisidor da Frísia e Holanda no século XVI, Guilherme Lindano, foi considerado Venerável" (p. 527).

2.3. A Inquisição Pombalina

"A idéia de separação de um Estado só político e de uma igreja só religiosa germina nessa época'. Pretende-se uma nova política religiosa que usa a tolerância como seu instrumento. Impunha-se conexão com o Absolutismo, ainda então vivo como idéia política. Limitar o poder jurisdicional da Igreja e difundir o espírito laico.

Em meio a esse clima das reformas pretendidas, a questão religiosa punha em relevo o Santo Ofício, tradicional defensor da ortodoxia das crenças, fiel zelador da unidade das consciências. Não se pensa em extingui-lo, mas, sim, em reformá-lo, adequando-o aos novos tempos. Urgia a elaboração de um novo Regimento que tornasse a Inquisição mais inofensiva e pusesse o Tribunal realmente nas mãos da Coroa.

Esse novo Regimento foi mandado executar pelo Cardeal da Cunha. No seu Preâmbulo, justifica-se a sua necessidade na medida em que as leis que geriam o Santo Ofício teriam sido, ao longo dos séculos, distorcidas pelos jesuítas, interessados em dar ao Papa o supremo poder sobre a Inquisição. Desde o governo do Cardeal Infante D. Henrique - dominado, diz o Cardeal da Cunha, pelo seu confessor, o jesuíta Leão Henriques -, até o Reinado de D. João V, foi o Tribunal escapando ao poder do rei. Teria chegado ao máximo a influência da Companhia, sob o Inquisidor D. Pedro de Castilho, que tornou a legislação mais jesuítica do que régia" (p. 562).

"Os tempos eram diversos. O Estado se configurava de outra maneira, definindo diferentes funções. Cioso de seu poder, recusava-se a partilhá-lo com quaisquer instituições ou estamentos. Impunha-se a necessidade de limitar o poder jurisdicional da Igreja. Assim o Regimento de 1774 visou o fortalecimento do poder da Coroa, invocando o direito do Reino. Instalava-se o regalismo absolutista como ideal de união cristã na ordem civil" (p. 563).

É importante conhecer os dados históricos dos quais as páginas deste artigo referem apenas alguns poucos traços. Contribuem para repor a verdade em foco, mostrando as causas latentes da Inquisição em Portugal (como também na Espanha). Os estudiosos não podem deixar de exprimir sua gratidão ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil pela publicação do trabalho da Prof. Sônia Aparecida de Siqueira e dos Regimentos da Inquisição Portuguesa (que vigoraram também no Brasil colonial).

BETTENCOURT, Dom Estêvão. Apostolado Veritatis Splendor: PODER RÉGIO E INQUISIÇÃO EM PORTUGAL. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/594. Desde 03/02/2002.

A INQUISIÇÃO NO BRASIL


Por Dom Estêvão Bettencourt, OSB

No Brasil nunca houve tribunal do Santo Ofício ou da Inquisição.

O país achava-se sob a competência do tribunal de Lisboa. Durante o século XVI, a Inquisição agiu discretamente. São conhecidos três processos e uma visita do Santo Ofício, sem graves conseqüências. Misturavam-se, às vezes, fatos reais de índole religiosa ou político-social com faltas graves aparentes ou supostas ou tendências perniciosas no campo religioso e social. A Inquisição no Brasil foi extinta em 1774 quando o Santo Ofício foi oficialmente transformado em tribunal régio, sem autonomia ou completamente dependente da Coroa. A Inquisição de Portugal contava três distritos: Évora, Coimbra e Lisboa, tendo este a jurisdição sobre o Brasil. Seja brevemente examinado o seu funcionamento no Brasil.

1. Século XVI

Como a Inquisição no Brasil estivesse sob a jurisdição do Tribunal de Lisboa, não houve na colônia, em nenhuma época, um tribunal próprio. Assim sendo, os processos eram levados para a Corte. No Brasil, os Inquisidores eram os Bispos. Mas, visto o grande número de novos convertidos, foi nomeado Inquisidor Apostólico D. Antonio Barreiros. Seus poderes limitavam-se aos cristãos-novos; era-lhe recomendado usar de prudência, moderação e respeito. A ação do Santo Ofício foi discreta, sendo conhecidos três processos e uma visita do Inquisidor de Portugal.

1.1. Os Processos

  1. a. Processo de Pero de Campo Tourinho, donatário da capitania de Porto Seguro, acusado de opor-se ao clero e ao Papa, e de desrespeitar as leis da Igreja. O processo iniciou-se no Brasil (1546) e terminou em Lisboa (1547). Não se sabe a conclusão. Supõe-se que o acusado tenha sido absolvido.

  2. b. Processo de João de Bolés (Jean Cointha, seigneur des Boulez), francês que viera com Villegaignon. Em 1557 começou a difundir doutrinas calvinistas e luteranas em São Paulo e depois na Bahia. O processo, iniciado no Brasil (1560), foi levado a Portugal, tendo João de Bolés lá chegado em 1563. Retratou-se, mas pouco depois começou novamente a difundir suas idéias, sendo então desterrado para as índias, onde foi condenado à morte, em 1572, como relapso e herege.

  3. c. Processo do Pe. Antonio de Gouveia. Oriundo dos Açores, foi ordenado sacerdote em Portugal. Em 1555 entrou na Companhia de Jesus, sendo dela despedido tempos depois. Deu-se à necromancia e, por isto, foi acusado no Tribunal da Inquisição. Preso, fugiu em 1564. Recapturado, foi degredado para os Açores. Tendo novamente fugido, foi descoberto de 1567 e desterrado para Pernambuco. Aqui conseguiu uso de ordens, mas, continuando as atividades "mágicas", foi preso e enviado ao Santo Ofício de Lisboa, embarcando em 1571. Em 1575 seu processo continuava, mas a partir desta data nada mais se sabe dele.

1.2. A primeira visitação do Santo Ofício

De 1591 a 1595 deu-se a primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil. A causa próxima foi a passagem da Colõnia ao domínio espanhol em 1580. Como o rei da Espanha possuísse idéias mais rígidas quanto aos cristãosnovos, julgou necessária uma visita do Santo Ofício.

O Visitador nomeado, Heitor Furtado de Mendonça, chegou à Bahia em julho de 1591. Poucos dias depois publicou o "Edito da Graça", período de trinta dias (de 28/7 a 27/8) em que haveria "muita moderação e misericórdia" aos que fossem acusados ou se viessem acusar. Houve muitas denúncias, versando sobre suspeitas de heresia, de judaísmo, escravização dos indígenas, bigamia etc. Em 1594 o Visitador passou a Pernambuco onde, após um período de "Graça", iniciou as audiências, seguindo até o ano de 1595, quando retornou a Lisboa. A par de algum erro ou imprevidência, não parece ter sido severo, usando, em muitos casos, de moderação.

2. Século XVII

Data deste século a segunda visita do Santo Ofício. Esta ocorreu entre setembro de 1618 e janeiro de 1619, sendo Inquisidor D. Marcos Teixeira. Os motivos devem prender-se à preocupação da Coroa Espanhola com os cristãos-novos, temendo que pudessem aliar-se aos holandeses, que naquele tempo pressionavam o Reino Unido. A colõnia, de fato, tornara-se lugar de refúgio e de degredo para os novos convertidos, que aqui se achavam em grande número.O Pe. Antonio Vieira, nessa época, defendeu a tolerância para com os cristãos-novos, idéia que se generalizou e continuou viva mesmo após a restauração, em 1640.

3. Século XVIII

Surgindo as minas de ouro, para as quais ia grande número de estrangeiros de todos os Credos, a política de tolerãncia vigente no século anterior começou a mudar. Intensificou-se a ação da Inquisição no Brasil. No reinado de D. José I (1750-77), a Inquisição decaiu, chegando praticamente a anular-se. Dois fatores contribuiram para a sua queda, ambos ligados à personalidade do Marquês de Pombal. Primeiramente, o Primeiro-ministro considerou-a contrária aos interesses da Corte, embora anos antes (1761) a tivesse utilizado contra o Pe. Gabriel Malagrida, por ter este, na ocasião do terremoto de Lisboa (1755), acusado de erros morais os membros da Corte. Além disto, em virtude de um desentendimento entre Pombal e o Santo Ofício em Portugal, chegou o rei D. José I a procurar minorar a ação do Tribunal. Assim é que em 1773 foram baixadas leis que acabaram com a distinção entre cristãos-novos e outros cristãos, e que proibiam qualquer discriminação por ascendência judaica. Em 1774 o Santo Ofício foi transformado num tribunal régio, sem autonomia, completamente dependente da Coroa, o que significou na prática a sua desativação. "Não obstante as falhas que se podem apontar contra todo e qualquer sistema repressivo, não é lícito nem honesto ver na atuação da Inquisição ou Santo Ofício somente a face negativa. Houve também vantagens para a fé e os bons costumes, evitando-se tolerância em demasia com desvantagens para a pureza da fé ou com tropelos dos mandamentos divinos, visto que a Inquisição não empregava somente a repressão, mas também a persuasão para corrigir desvios na fé ou nos costumes. Ademais, para muita gente que se deixa levar mais pelo temor que pelo amor, por muitas causas que não é o caso de abordar, toda ação coercitiva, quando psicologicamente bem orientada, pode ter seus reflexos positivos. Aliás, o Santo Ofício era, antes do mais, um tribunal eclesiástico que tinha em mente mover o culpado a reconhecer seu pecado, detestálo e prometer emenda. Só em casos de pertinácia agia com penas que variavam segundo a gravidade do delito e a renúncia ao perdão. No Brasil, felizmente, durante o século XVI, não temos a lamentar a pena capital entre os nascidos na terra, mesmo quando encaminhados ao tribunal de Lisboa" (RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Origem e desenvolvimento (Século XVI), vol. 1. Santa Maria, Pallotti, 1981, p. 284).


BETTENCOURT, Dom Estêvão. Apostolado Veritatis Splendor: A INQUISIÇÃO NO BRASIL. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/596. Desde 03/02/2002.

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